terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Poema assaltado

Que tu viennes du ciel ou de l'enfer, qu'importe,
O Beauté ! monstre énorme, effrayant, ingénu !
Si ton œil, ton souris, ton pied, m'ouvrent la porte
D'un Infini que j'aime et n'ai jamais connu ?

De Satan ou de Dieu, qu'importe ? Ange ou Sirène,
Qu'importe, si tu rends, – fée aux yeux de velours,
Rythme, parfum, lueur, ô mon unique reine !
–L'univers moins hideux et les instants moins lourds ?

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Do outro lado da rua

Ele a olhava de longe. Pensava como podia ser possível aquela criatura estar ali, sozinha, esperando por ele, mesmo depois de tudo. As pernas cruzavam e descruzavam. Ele conhecia aquela postura incomodada, insegura. Muitas vezes já tinha se aproveitado dela, inclusive. Não conseguia sentir culpa por isso.

Viu quando ela tirou um cigarro do maço, como isso o irritava... mas como ficava bonita a desgraçada fumando! Nunca havia lhe dito isso, óbvio. Aliás, nunca tinha dito que a achava bonita. Costumava dizer que não imaginava como podia ela não enxergar o quanto ficava vulgar quando fumava, principalmente com aquelas roupas que usava. Ela olhava com aquela cara cínica e dizia que por algum motivo ele gostava dela, não seria por causa do cigarro que ele largaria aquilo que para ele era tão fácil de ter. Essa resposta o tirava do sério, e ele a mandava calar a boca. Ela ria. A lembrança do riso despertou-lhe uma estranha ternura.

De repente aquela imagem começou a despertar-lhe uma angústia inexplicável: o lugar imundo, a imaginação do cheiro que ela devia estar sentindo, o cigarro, os homens que a olhavam como cachorros á procura de carne. Imaginou-a, como sempre, segurando o choro pra não parecer fraca, carente, sensível. Era como se aquela cena, com tantos elementos sujos, tivesse transformado aquela mulher em um recanto de pureza, quase angelical.

Começou a sentir um enjôo forte. Pela primeira vez sentiu vontade de ajudá-la, de tirá-la dali o mais rápido possível, colocá-la no seu colo, encarar aqueles olhos enormes que pareciam sempre estar pedindo um pouco de atenção. Nunca sequer tinha cogitado a possibilidade de ficar com ela, casar, constituir família. Gostava da companhia, gostava de contemplar o sono tranqüilo. Principalmente, adorava o que ela dizia, a forma como gargalhava quando ele falava alguma coisa séria. Nunca havia encontrado uma mulher que o compreendesse tanto, ás vezes sem precisar dizer uma palavra. Aquele jeito de princesa destronada o cativava e irritava ao mesmo tempo.

O garçom veio, encheu a taça e agora uma leve tontura começara a aparecer. Olhou em volta, era como se todas as pessoas que ali estavam estivessem gritando em seu ouvido. Colocou as mãos na cabeça, apertou os olhos... as coisas foram voltando ao normal. Alguns casais que jantavam no restaurante o observavam discretamente. Tentou parecer normal, mas aquela angústia não passava. Olhou mais uma vez pela janela, ela não estava mais lá. Num impulso, levantou e se encaminhou até a porta. Encontraria ela de qualquer jeito. Como ela podia ter ido embora? Ele não lhe dissera que estaria lá, que ela esperasse?Chegou a puxar a enorme porta de vidro...
- Meu amor, vai lá fora por quê? Vai comprar mais cigarro? Você sabe que eu não suporto esse cheiro e, além disso, faz mal pro bebê!

terça-feira, 16 de outubro de 2007

No reservado

Entrava no pequeno restaurante com os olhos observadores de uma primeira visita ao local, porém seus passos firmes e os cumprimentos aos velhos conhecidos garçons demonstravam uma intimidade única. Como se aquela espelunca esfumaçada fosse mais seu lar do que o sobrado em que vivia.

Sentou-se no reservado que, sempre vazio, parecia estar à sua espera. Se não fosse pelo esmalte descascado, pela ansiedade e pelo cigarro de marca vagabunda, poderia pertencer a um quadro. Se não fosse pelo cheiro enjoado que vinha da cozinha e o nó na garganta, poderia ser musa de uma melodia suave. Esperava.

Gostaria de ter uma música que tivesse seu nome, mas principalmente, sua vontade era que ele estivesse novamente sentado à sua frente no mesmo reservado. Certamente receberia aquele olhar altivo de quem acha que não há mais nada a ser aprendido. Ouviria a voz suave que consegue convencer qualquer um a obedecer seus caprichos. Com a acidez característica que usa o sarcasmo como proteção, máscara.A pessoa mais suja do mundo. O príncipe dos defeitos.

"Como ele consegue enganar a todos tão bem?" Mas não a ela, a única que sabia. Revirava aquela alma repleta de complexos e paradigmas morais insignificantes, de machismos e sutilezas, de dor e espasmos vãos de prazeres desprezíveis, de lirismos com toque de seda regados a champagne, acompanhados de olhares gélidos que cortam os mais sensíveis em pedaços.

Mas não a ela, a única que sabia. E se o conhecia era porque via seu reflexo espelhado nos defeitos dele. Perdoava cada falta de caráter pois os compreendia, de uma maneira insólita, porém inquestionável.Queria novamente sentir o calor das mãos dele sobre as suas.Porém estas, neste momento, apesar de próximas estavam ocupadas acalentando o doce olhar crédulo daquela que nunca o iria compreender, e por isso mesmo permaneceria ao seu lado.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Constatação

"De cada amor tu herdarás só o cinismo

Quando notares estás à beira do abismo

Abismo que cavastes com teus pés"