domingo, 11 de janeiro de 2009

O resto é seu

Andei de um lado pro outro durante uns cinco minutos. Ia até a cozinha, voltava pra sala, ia de novo até a cozinha, pegava alguma coisa, voltava pra sala. O apartamento parecia estar ficando maior, mais triste. Eu estava sentindo uma agonia, uma vontade de chorar, e o choro não vinha, aí me deu vontade de vomitar, mas vomitar dava trabalho e eu precisava pensar, não podia perder tempo.

Fiquei imaginando como ela tinha tido coragem, depois de dois anos, só dois anos, me largar assim, sem avisar, sem conversar, sem me dar uma chance de convencer ela de que isso era uma besteira, que eu amava ela independente de qualquer coisa, e deixar ela dizer que eu falava demais, que eu era um saco, que eu era entediante, mas que ela ia ficar porque não tinha pra onde ir.E eu nem ia ligar pra isso, porque eu gostava mesmo daquela mulher, porque ela podia ser tudo, menos chata, e toda mulher é chata, e a minha não era, e eu gostava de dizer isso pra todo mundo, e gostava quando falavam isso pra mim.

Mas ela foi mesmo assim. Fiquei pensando nela, no corpo magrinho, branquelo, nos cabelos compridos, que ela queria cortar e eu nunca deixava, ficava pedindo por favor pra ela não cortar, que o cabelo era lindo e ela dizia que eu queria era que ela ficasse com cara de Amélia, e dizia que ia cortar mesmo assim, mas nunca cortava, no máximo aparava as pontas e voltava do salão com a cara triunfante e eu fingia que estava decepcionado, mas nem dava pra notar a diferença.

Ela era bonita demais. Não era nenhum mulherão, mas chamava atenção, tinha as coisas certas no lugar certo, tudo combinava. Combinava tanto que até amante ela arrumou. Passou dois meses saindo com um ex-namorado. Não fez a menor questão de esconder, pelo contrário, foi ela que me contou. Chegou do trabalho um dia, se arrumou toda e disse que ia sair com o cara, assim na maior naturalidade. Qualquer um teria batido, teria humilhado, ou pelo menos tinha colocado pra fora. O que eu fiz? Pedi pra ela parar, tirei quinze dias de férias e fomos pra Bariloche, que ela adorava. Porque não existe mulher sincera e, apesar de tudo, a minha era. Até demais.

Ela era engraçada. Quando bebia ficava alegre, sorridente, e as mulheres sempre ficam bêbadas demais, mas a minha não ficava, nunca passava vergonha. Eu adorava sair com ela, sentar num bar e passar a noite toda. Que homem faz um programa desses com a mulher? Eu fazia, e gostava muito, porque ela era divertida, me fazia rir, sacaneava todo mundo, virava a sensação de qualquer lugar. Eu tinha o maior orgulho.

Comecei a pensar que ela ia voltar. Tinha acabado de se formar, depois de conseguir um empreguinho com muito esforço, não tinha onde morar e não ia querer voltar pro apartamento da mãe, que ela detestava. Além do mais, eu era um marido bom, fazia de tudo por ela e no fim das contas, toda mulher acaba voltando.

Andei mais uma vez pela sala, passei na cozinha, peguei uma cerveja na geladeira e relaxei. Fiquei umas três horas olhando pra porta, bebendo e esperando ela entrar como se nada tivesse acontecido, pegar uma cerveja, ligar a televisão e sentar do meu lado, calada.

Mas ela não chegou. Deve ter passado a noite na casa de uma amiga – eu pensei – e fui dormir também. Quando entrei no quarto, no nosso quarto, não tinha nada que pertencesse a ela, um brinco, um lenço ou um isqueiro, nada. Ela tinha levado tudo.Mal registrei o vazio do quarto, vi uma sacola fechada em cima da cama. Pensei até se podia abrir a sacola, que ela podia ficar irritada comigo se fosse alguma coisa dela, mas abri assim mesmo. Dentro da sacola, um chumaço de cabelos, os cabelos dela. A primeira coisa que me ocorreu foi tentar imaginar como ela tinha ficado sem aquilo tudo. Logo depois, entendi a mensagem. Toda mulher acaba voltando, mas a minha não, e talvez eu não tivesse amado tanto se não fosse assim. Afundei a cabeça no travesseiro e chorei conformado até dormir.

4 comentários:

Laila disse...

Primeiro: obrigada por voltar, principalmente com um conto! Aposto que todo mundo sentiu falta.
Segundo: que texto lindo, seria isso tudo inspiração materna?

Anônimo disse...

EXCELENTE !!!!!!

Adorei. Muito bom mesmo.
Quero o primeiro exemplar de um futuro livro.

Anônimo disse...

Super inesperado o final, adorei!! Aliás, eu adoro seus contos, sempre venho aqui dar uma olhadinha! bjs

Léo disse...

Você é meio doente né?
texto de gente maluca!