quarta-feira, 17 de junho de 2009

Moral da história...

A única coisa que conseguia fazer era olhar pela janela. Pelo menos o dia estava sendo condescendente com ela: estava melancólico, triste. A Lagoa estava cinza, até a chuva parecia sem vontade de viver, mal se fazia perceber, caía bem fininha e depois parava. Lá de cima ela acompanhava com os olhos alguém que corria ou passeava com o cachorro, e cada vez que alguém passava ela tentava imaginar o motivo de estarem ali. Por que estavam na rua em um dia tão terrível? Não teriam amigos, seriam sozinhos ou estariam brigados com a família? Ou estariam ali só para provocá-la, mostrar que, por mais que ela quisesse acreditar, ainda havia movimento no mundo e conseqüentemente na sua vida?

Ela não queria acreditar. Havia passado anos achando que bastaria casar e todos os problemas vomitados na sala do analista desapareceriam na lua de mel. Tinha sido criada para isso. A família a cobrava, todas as amigas já estavam indo para o primeiro filho. Derramava-se em prantos todas as vezes em que ele dizia que não queria casar, que nunca pretendeu ter filhos e que não mudaria por sua causa. Quantas vezes parou no hospital, empanturrada de remédios e teve que ser buscada pelos pais, que olhavam acusadoramente para o namorado da filha, que abaixava a cabeça e dizia que tentaria resolver o problema.

E não resolvia. Quanto mais ela pedia, menos ele tinha vontade de realizar o seu desejo. E voltavam todos para a clínica novamente. Um dia o pai resolveu acabar com tudo. Homem importante, não queria mais correr o risco de algum repórter mais esperto vender jornais às suas custas. No quarto, repleto de flores e balões, pegou o genro pelo braço e levou para o corredor. Disse que ou casavam-se ou a filha se mudaria, nunca mais seria vista no país. Além disso, como ele pretendia ser um engenheiro de sucesso fazendo uma desfeita dessas para uma família tão boa e honesta? Ofereceu a festa, o apartamento e o labrador.



---X---

Começaram a namorar em uma festa da empresa da família dela. Ele tinha trabalhado na construção do novo shopping da família e estavam todos comemorando a inauguração. Havia se formado há menos de um ano e via naquele emprego a sua grande chance de deixar de ser um ninguém, como sua mãe dizia. Filho do porteiro de um prédio no Leblon, tinha estudado a vida toda bancado pelo patrão dos pais. Queria terminar seus projetos no Brasil e estudar fora, abandonar de vez o recalque de ser sustentado e de ser sempre lembrado disso.

Ela tinha acabado de voltar de uma longa viagem pela Europa com as amigas. Estava inconsolável com o fim do namoro com um espanhol, que disse que não iria para o Brasil com ela. Quis ficar por lá, mas o pai disse que ou voltava ou começava a trabalhar. Voltou. Na festa, foi avisada por uma tia do “rapaz bonito” que estava na festa. Apaixonou-se imediatamente e deu um jeito de ser apresentada.O jeito de princesa do papai, a desenvoltura e inteligência impressionaram o garoto. Começaram a namorar na mesma noite e um mês depois ele estava contratado.

Alguns meses depois, ela começava a insinuar a sua enorme vontade de casar. Não admitia que um homem que tinha dado a sorte de estar com ela não quisesse casar imediatamente. Ele gostava dela, mas não se sentia preparado para casar, nunca tinha sentido vontade de ter filhos. Na verdade, uma namorada estava fora de seus planos quando a conheceu, e ela ficava transtornada quando ele dizia isso. Queria continuar com a sua vida, não tinha abandonado a ideia de morar fora, de se especializar, ficar por lá de vez.Por enquanto,queria continuar tendo a liberdade de escolher, mas ela não parecia interessada em ser abandonada outra vez, tinha calafrios só de pensar, chorava quando ele falava em viajar.

----X----


Depois da conversa com o sogro, na balança, o conforto, o medo do fracasso e um resto de amor sufocado falaram mais alto. Seis meses depois, casaram-se. Ela estava radiante. Todas as revistas de noivas estavam presentes e ela era o modelo para todas as solteiras da cidade. Por outro lado, o noivo recebia a todos, cumprimentava, recebia os presentes, mas pouco sorria e não se animou nem quando sua banda preferida entrou no salão; surpresa da esposa, claro.

Quando chegaram de viagem, a casa estava completamente montada. Ele não sabia nem qual era a sua gaveta de cuecas. Sentia vontade de chorar, de quebrar todos aqueles bibelôs e cristais que ele desconhecia a origem. Ela rodopiava e falava sem parar: “viu que casa linda, meu amor?”, “viu como valeu a pena casar?”, “Viu como meu pai te adora?” e seus pensamentos iam se tornando cada vez mais perversos.

Alguns meses se passaram e logo começou a cobrança pelos herdeiros. Ele odiava que usassem essa palavra, já que sentia que nada era seu, portanto, ninguém poderia herdar nada. Nos jantares de família, nas festas, parecia que esse era o único assunto que conheciam. Na verdade, já estavam tentando e essa era a nova frustração da mulher. Cada menstruação era uma crise de choro de um lado e do outro, um suspiro aliviado.

Até que um dia, aconteceu. O papel do exame esfregado na cara lhe inspirava terror, era como se estivessem lhe condenando à prisão perpétua por um crime que foi obrigado a cometer. Depois de todas as celebrações e notas no jornal, mais sangue. E uma nova visita a velha clínica de desintoxicação.

A partir daí foram crises de choro, ataques histéricos, cacos de vasos e bibelôs jogados pela sala. Ela o culpava por toda a sua desgraça. Um dia ele chegou, a mulher jogada no sofá, bolas brancas e enormes espalhadas pelo chão. A empregada apareceu, lançou o olhar de acusação que ele conhecia tão bem e naquele momento tudo acabou. Subiu, pegou uma pequena mala e desapareceu.

Pela manhã, a mulher levanta-se, procura pela casa e vê o bilhete: “Não precisava, mas preciso ter essa consideração, você e sua família me condicionaram bem. Fui e não volto nem que você se mate. Por mim, seria ótimo até.” Não derramou uma lágrima, estava em choque. Catou as pílulas, roupas e cacos e foi tomar banho. Sabia que tinha exagerado, sabia que tinha feito o homem que amava sofrer, mas parecia que até aquele momento, até ele deixar bem claro o quanto a odiava, ela não tinha se dado conta.

Seu cérebro parecia estar funcionando novamente. Sentia-se grande, ocupando espaço demais no chuveiro, na casa, no mundo. Pela primeira vez em cinco anos, tomava consciência de si. Se vestiu e foi para a sala, ficou horas olhando pela janela, a Lagoa tão cinza quanto parecia a sua vida agora. O cachorro passou e ela chamou-o pelo nome, tentando fazer carinho. O cachorro a encarou e desviou:caiu em prantos.

Finalmente decidiu que se aquelas pessoas estavam ali, correndo apesar da chuva, do tempo feio e da Lagoa cinza, ela deveria fazer o mesmo. Pensou em ligar para as amigas, rever os pais, quem sabe fazer uma viagem, voltar a estudar. Quando já imaginava uma nova vida, uma redenção pelo que tinha feito a todos e a si mesma, o telefone tocou. Levantou-se num sobressalto e o cachorro se assustou. Passou correndo entre suas pernas. Ela desequilibrou-se.

No dia seguinte, uma nota pequena no jornal dizia: “Na Lagoa, mulher se mata após ler bilhete do marido, que a abandonara. Os médicos e a família disseram que ela tinha problemas psiquiátricos e jamais poderia ter sido deixada sozinha. A prisão preventiva do marido já foi decretada, ele é acusado por abandono de incapaz.”

4 comentários:

Laila disse...

Uau!
Gosto demais dos seus contos, mas esse em especial é incrível!
Surpreendente, inesperado... muito bem escrito.

Luciana Faria disse...

Aiii, que horror!!
Eu não gosto desse tipo de conto, muito psicopata pro meu gosto!
mas tudo bem, continuo esperando os contos fofos!

Beijocas.

Nanda disse...

achei q a historia ia ser mega bonitinha, q ela ia casar com outro q quisesse casar também e q eles iam ser felizes pra sempre! concordo com a Lu, sou mais os antigos, q n eram bem fofos mas pelo menos n eram malvados que nem esse!!!! coitada da mulher!!!

Bj!!

Duan disse...

Nossa... esse é muito bom... meio catastrófico mas muito bom...